sábado, 23 de fevereiro de 2013

“A vida que podia ter sido e que não foi”

Não sei exatamente em que pode servir uma lista de frustrações; só sei que a concebi, quer por dias pouco empolgantes, quer por uma natureza melancólica sem remédio, eis algumas observações (frustradas) sobre frustrações. Acho que expô-las, de alguma maneira, me purga um pouco da dor inerente do verso de Manuel, de saber que poderia ter sido, mas não foi… (afinal, dirão os otimistas com toda razão do mundo, pra que se deter no que não foi, se, por outro lado, nossa vida foi é, e esse ser não pouco? Enfim, que venham minhas percepções mais tristonhas, elas também podem ter vez…).

Pensei, enquanto ruminava se devia ou não escrever essas caraminholas, que a frustração começa no nascimento, nos primeiros passos que foram pra lá e não pra cá, ou não foram, ou foram demais. Sei que estou atacadíssima no meu lado “espírito de porco”, mas veja se não é verdade: crescemos aqui, nesse século, ou no limiar de dois, como eu, - e não em outro lugar, outro tempo.E sempre tem alguém do lado dizendo: como era bom no meu tempo… E cada um de nós, frustrados, muitas vezes sem nem saber por que, se perguntam por que não ter nascido na Grécia, na Paris do século XIX ou simplesmente nosEUA ? em qualquer período (esses são aqueles incorrigíveis que sempre acham que “os EUA são muiiiiito melhores…” são frustrados insuportáveis…). Enfim, tudo é passível de ser classificado como frustração. Ok, antes que me acusem de pessimista irremediável, vou para minha lista.

A gente se frustra por não ter feito balé ou futebol, por ter lido série Vaga-lume quando preferia Monteiro Lobato(ou Alencar quando Sidney Sheldon era bem mais picante…); se frustra por não ter tido namorado de infância nem na adolescência ? e ter sido o patinho feio do colégio; por ter tido duas namoradas ao mesmo tempo e uma descobrir a outra bem no sábado à noite na fila do cinema. Frustra ter dado o primeiro beijo com 16 anos, ter namorado só com 18 ? e ter durado só duas semanas…Ou ainda, ter namorado aquela prima e ter levado bronca da tia gorda, enquanto podia ter ficado jogando videogame. A gente se frustra pela faculdade em que não conseguiu entrar, pelo cara que não se pode conquistar, pelo beijo que se negou ou que negaram, pelo telefonema que não deram ou quem não demos, pelo jantar que não aconteceu. Frustra também a nota baixa, a pizza de borda queimada, o vinho estragado, a casa por limpar no domingo à noite ? dia mundial da frustração(veja-se a música terrivelmente frustrante do Fantástico e seu anúncio de mais uma semana de amplas “não- realizações”).

Frustra ter terminado aquele curso quando se queria mesmo é fazer música, ter namorado três anos um crápula, ter cozinhado, de novo, miojo, quando havia um convite para sair na sexta… Acentuam frustrações, teimosia, perder a carteira, esquecer de tirar dinheiro, perceber o perfume preferido na sua última gota (e nenhum dinheiro para comprar outro vidro…), gatinho na calçada sem dono, menino de rua batendo no vidro do carro. Frustra chegar aos trinta sem casa, sem saber inglês direito ou se se sabe, sem ter feito decentemente aquele curso de francês. Frustra não entrar mais naquele jeans 38, ter dado pra alguém as bonecas ou a coleção de latinhas, perder os bichos de pelúcia, não ter tempo pra ver desenho na TV.

Frustra e dói não dizer “te amo” quando é tempo e quando estamos todos vivos, não ter visitado aquele menino bebê, não ter tomado todos os porres possíveis, ter tomado outro, bem no dia que aquela menina estava caindo na sua lábia. Frustra perder duas horas no banco, reclamar, mandar e-mail e não ter resposta - ou não responder as mensagens e deixar a caixa estourar… Frustra engordar dez quilos ou perder quatro e perceber a clavícula quase saltando pra fora da blusa. Frustra ter feito escova, ter comprado blusa nova e não acontecer nada naquela noite; ter saído com ela e ter ouvido: “você é super meu amigo”.

Também frustra ler demais ou de menos, viajar e não tirar fotos, ou tirá-las, um peso a mais na memória. Frustra pensar na mãe doente, no pai aposentado, na família longe, nos irmãos que cresceram sem que a gente visse. Frustra estudar, frustra fazer curso técnico, frustra ser bonito demais e espantar namoradas.Frustra quando o bolo de chocolate embolora no fundo da geladeira, esquecido. Frustra quando esfria e não há mais sol. Frustra, enfim, estar aqui e, bem ou mal, transmitir todo dia um pouco da miséria humana em cada passo, em cada suspiro pessimista (às vezes, até a beleza do Machado cansa…).

Enfim, entre tantas frustrações, chego ao fim do texto pensando que é tudo bobagem e que tudo isso nada mais é que realmente um ataque melancólico, uma tentativa de texto frustrada. Afinal, frustrar-se é prova de vida, é prova de que fizemos e não fizemos, que fomos e voltamos, que permanecemos vivos, errando e percebendo cada detalhe naquilo que há de mais maravilhoso: a possibilidade da outra vez, do que não foi, mas será ? ou, ao menos, poderá ser…

Manuel Bandeira

Nenhum comentário:

Postar um comentário