sábado, 23 de fevereiro de 2013

O MITO DA PLENA REALIZAÇÃO


O ser humano vive em busca da felicidade, mas nunca se sente realizado. Dúvidas assolam. O desejo impera nos dias atuais. O carro novo comprado hoje, amanhã já não nos empolga. O novo namorado pode não ser o que eu realmente queria. Uma nova faculdade, uma nova experiência, uma nova aventura. Tudo serve para roubar do tédio do cotidiano, de uma vida sem sentido.
Creio que aí reside o mito de sermos pessoas realizadas. A promessa de que seremos plenos na terra que tudo que precisamos reside aqui. Esse não é somente o mito de Hollywood. No filme Uma Linda Mulher, a prostituta é amada por um milionário. Numa das falas, ouve-se: “Aqui é Hollywood onde quase todos os sonhos acontecem, uns sim, outros não.”
Não existe realização plena nesse lado do Jordão. A Bíblia alterna promessas de alegria e paz com tribulações. Na lista da grande nuvem de testemunhas em Hebreus 11 (36-39), consta de pessoas presas, apedrejadas, partidas em dois, peregrinas pelos desertos e montanhas, refugiadas em cavernas e buracos; e nenhuma delas recebeu o que havia sido prometido.
Resta a esperança – A esperança de que, apesar da dor, da solidão ou da perda, algo melhor nos espera.
O psicanalista Renato Mezan afirma que tédio é a principal fonte de sofrimento psíquico no começo deste milênio. Depois que superamos nossas necessidades básicas da sobrevivência (comida, bebida, casa), corremos atrás de uma nova fonte de sofrimento: a obrigação de ser feliz.
O direito de buscar a felicidade pertence a todo ser humano, contudo, obtê-la não pode se transformar em um dever. O clamor pela felicidade se agudizou nos dias atuais. Ouve-se a célebre frase “eu tenho direito de ser feliz”, com maior frequência. E para isso, não importa o que fazemos, a quem ferimos, em quem pisamos.
Não podemos colocar a felicidade como única meta. O escritor que viaja muito, inveja a pessoa que tem um trabalho pacato, o que tem um trabalho pacato, inveja o que viaja muito. O solteiro quer casar, o casado inveja a vida de solteiro. A insatisfação não cessa.
Freud afirmou que sempre seremos carentes, querentes e desejantes.
A cultura consumista hedonista da nossa época vende a ilusão de que “os outros”, os “bem-sucedidos”, os que “chegaram lá”, levam uma vida boa, uma sequência ininterrupta de prazeres. A realidade, porém, não é bem assim.
A pessoa que nunca se sente triste deve estar doente, ou desligada da realidade.
Os momentos alegres só podem ser considerados “estados” de felicidade. Tais momentos se esgotam a si mesmos.
Podemos considerar felizes aquelas que conseguem manter acesos o otimismo e a esperança, mesmo nas fases em que a vida não lhes parece agradável. Otimismo não é alimentar a certeza ou a expectativa de que tudo acabará bem, mas a sensação genuína de que a vida vale à pena, apesar das dificuldades.
Na jornada tumultuosa da vida temos o desafio de colorir o cotidiano, ter prazer nas coisas mais simples. Presa no trânsito a caminho para o trabalho, gosto de observar uma árvore com flores cor de rosa em frente à Assembleia Legislativa. Contemplando sua formosura, não me importo com o tempo em que permaneço parada. A árvore está lá, conversando comigo com sua beleza ímpar.
O esforço de encontrar a felicidade pode trazer a infelicidade. Dizem que a felicidade é como uma borboleta, se pararmos de persegui-la, ela virá mansamente pousar no nosso ombro.
O historiador e filósofo Will Durant descreveu como procurou a felicidade no saber e encontrou apenas desilusão, (ele lembra o escritor do Eclesiastes). Duran a procurou nas viagens e encontrou enfado; na riqueza, e se deparou com discórdia e preocupação, esmerou-se nos escritos e apenas sentiu-se fatigado. Um dia, viu uma mulher esperando alguém, num automóvel pequenino, com uma criança que dormia em seus braços. Um homem desceu do trem, foi até ela, beijou-a com gentileza e depois o bebê, muito suavemente, com medo de acordá-lo. A família afastou-se, deixando Durant com uma estupenda compreensão da verdadeira natureza da felicidade. Na singeleza daquele encontro, ele descobriu que a felicidade pode se esconder nas atividades normais da vida.
As pessoas felizes não se mostram obcecadas em buscar a felicidade. Simplesmente vivem a vida e a “curtem” por inteiro. Conseguem extrair da existência prazeres e recompensas que somente elas conseguem ver e sentir. Gostam de viver, menos pela vida que levam, e mais porque se aceitam e gostam de si mesmos.
 Silvia Geruza Rodrigues 

Nenhum comentário:

Postar um comentário