quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Eu tenho cicatrizes



A infância é um tempo interessante. Nascemos de “pele limpa”. Ninguém nasce (naturalmente falando) com cicatrizes.
Cicatriz é coisa que um monte de gente ganha da vida, e principalmente na infância, a época em que não temos muita dimensão dos riscos, da velocidade, da profundidade, enfim... Encaramos mais o mundo de peito aberto.
Por isso mesmo a infância é o tempo da nossa vida onde mais nos machucamos. Eu disse que mais nos machucamos e não o único tempo de se machucar.
Da infância carrego a cicatriz no meu dedo indicador direito.
Nunca vou me esquecer desse dia. Tempo de soltar pipa e quem já soltou pipa e teve uma infância pobre como eu sabe muito bem o que é “guentar” linha dos outros. “Guentar” era a maneira que a gente tinha de “roubar” linha de quem tinha “voado”.
A melhor tradução era que a gente roubava linha dos outros mesmo! É que fiz uso da linguagem técnica da época (risos.).
Nessa de “guentar” linha... Um dia... Eu corri com uns 20 metros de linha com cerol, querendo me esconder em casa com o “produto do roubo”. A linha agarrou no portão feito com emendas de madeira, e meu dedo quase foi decepado!!!
Fui levado pra um posto médico. Injeções! Pontos! E depois de algum tempo... Cicatriz.
Mas com certeza cicatriz não é coisa só da infância...
Bati de carro aos 20 anos... (eu hein... 20 metros... 20 anos... rsrsrs).
Quebrei pedaços de dente em minha boca... Rasguei a pele do meu queixo... E depois?? Injeções! Pontos! E depois de algum tempo... Cicatriz.

A cicatriz é o sinal visível de algo que um dia doeu, mas não dói mais. Você pode apertar o meu dedo indicador direito com toda a força! Pode apertar o meu queixo da mesma maneira! Ali um dia, já teve uma ferida aberta. Mas hoje só uma cicatriz.

De certa forma a cicatriz me lembra os meus acidentes, ainda que não traga mais dor.

Você quer se esquecer da sua vida? Quer apagar o que aconteceu contigo? É feio ter uma cicatriz? Melhor é ser alguém de “pele limpa?”.Sem acidentes?

Eu não compreendo a luta de tanta gente em não aparentar os acidentes que teve. A igreja está cheia de gente “maquiando cicatrizes”. Gente que esconde o que um dia foi ferida e hoje não dói mais...

Cada vez menos ouvimos os testemunhos em nosso meio. As pessoas escondem suas cicatrizes.

Ninguém quer revelar os seus acidentes, suas separações, seus porres, seus... Seus... Ninguém mais quer isso.

Eu tenho cicatrizes!

Não só no dedo!

Não só no queixo!

Tenho acidentes que, um dia foram feridas abertas, mas que hoje são lembranças... Elas me fazem refletir.
Um filme passa em minha mente a cada vez que percebo as coisas que eu vivi. Não me escondo da minha história! Graças a Deus fui curado de muita coisa! Eu me assumo!

Não quero que você venda uma imagem pra quem te ama de, um alguém sem acidentes. Talvez seja melhor você chamar o seu namorado pra conversar e dizer: tenho cicatrizes. Não dói mais... Não é mais uma ferida... Mas fazem parte da minha história.

Não esconda as suas feridas.

O criticado Tomé, foi alguém que só aceitava a realidade da ressurreição de Jesus se visse e tocasse em suas feridas. Jesus poderia ter ressuscitado sem as feridas nas mãos.
Mas as feridas fizeram parte da história da vida do nosso Senhor!
Hoje nós podemos dizer: “pelas suas feridas fomos sarados”.

Jesus mostrou a Tomé suas feridas. E essa foi a prova da ressurreição da qual Tomé precisava.

Sua cicatriz conta a sua história e não o seu futuro!

Termino contando a história de um antigo irmão com o qual eu perdi o contato. Acho que o nome dele era Marcelo, mas não posso afirmar ao certo.
Marcelo era parceiro de fé. Jovem na igreja, casou e servia a Deus com alegria. Um dia um acidente de carro desfigurou o seu rosto...
Estranho foi reencontrar com o casal depois do acidente, e brincando perguntei pra ela: e agora? Como vai ser com esse cara feio? (lógico que em tom de brincadeira amiga, coisa que a escrita me dificulta traduzir).
A resposta dela eu nunca vou me esquecer: “O Marcelo ainda está aí!”.

Pronto!

Depois de todos os acidentes! O seu homem exterior pode estar desfigurado! Mas você ainda está aí dentro!

É isso o que muita gente não entende!

Muitos olham pra você... E não sabem que você está vivo! Ainda que com marcas!

Talvez, Deus não queira apagar as suas marcas...

Lembre-se que Ele não quis apagar as D´Ele.

Quando terminar de ler este bilhete, diga a si mesmo (a): “um dia doeu, hoje não dói mais! Sobrevivi! Venci a ferida aberta!”.
E vai perceber que a dor passou.
E você sobreviveu!


Um abraço apertado...
De um homem cheio de cicatrizes...
Mas que não sente mais a dor da ferida aberta.

Celso Aloisio.

Um comentário:

  1. Estou escrevendo um trabalho acadêmico sobre cicatrizes, memórias e subjetividade e gostei muito do que tu disseste aqui. Muitas coisas eu já tinha pensado, mas para algumas outras o teu texto foi esclarecedor. Gostei muito da história do garoto com o rosto desfigurado, pois conheço história semelhante.

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