quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Conheces a Ouvirtude? (Artur da Távola)

Um dos maiores problemas de comunicação, tanto a de massas como a interpessoal, consiste em descobrir como o outro ouve, se é que ouve...
A mesma frase permite diferentes níveis de entendimento. Raras, raríssimas, as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo.
Diante deste quadro venho desenvolvendo uma série de observações, divido-as com você que, por certo, ajudará passando-me as pesquisas que tenha a respeito.

Observo que:
1. Em geral o receptor não ouve o que o outro fala. Ouve o que o outro não está dizendo.

2. O receptor não ouve o que o outro fala. Ouve o que já escutara antes e o coloca no que o outro está falando.

3. O receptor não ouve o que o outro fala. Ouve o que quer ouvir.

4. O receptor não ouve o que o outro fala. Ouve o que imagina que o outro ia falar.

5. Numa discussão, os discutidores não ouvem o que o outro está falando. Ouvem o que estão pensando para dizer em seguida.

6. O receptor não ouve o que o outro fala, apenas ouve o que está sentindo.

7. O receptor não ouve o que o outro fala, e sim, o que já pensava a respeito daquilo.

8. O receptor não ouve o que o outro está falando. Ele retira da fala apenas as partes que tenham a ver consigo e: concordem, emocionem, agradem ou molestem.

9. O receptor não ouve o que o outro está falando, e, sim, o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento. Vale dizer, transforma-o em objeto de concordância ou discordância.

10. O receptor não ouve o que o outro está falando, mas o que possa se adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio que já sentia pelo emissor. Concordância ou discordância camuflam-se de racionais, porém são empáticas. O mundo é regido tanto pela economia quanto pela empatia. Argumentos são disfarces intelectuais da simpatia...

11. O receptor não ouve o que o outro fala e, sim, apenas, os pontos que possam fazer sentido para as idéias e visões que no momento estejam influenciando ou comovendo.

12. O receptor não ouve o que o outro fala, e sim o que já pensava a respeito daquilo.

Esses doze itens mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil se comunicar! O que há, em geral, são monólogos simultâneos à guisa de conversa, ou monólogos paralelos, à guisa de diálogo. O próprio diálogo pode haver sem que, necessariamente, haja comunicação. Pode haver até um conhecimento a dois sem que necessariamente haja comunicação. Esta só se dá quando ambos os pólos ouvem-se, não, é claro, no sentido material de “escutar”, mas no sentido de procurar compreenderem sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo.

Ouvir, portanto, é muito raro. É necessário limpar a mente de todos os ruídos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia. O filtro do preconceito não está na mente e sim no ouvido.

Ouvir implica numa entrega ao outro, numa diluição nele. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A inteligência em funcionamento, o hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar, interfere, como ruído, na plena recepção do que vem de fora. E mesmo de dentro... Ouvir-se é tão raro e difícil quanto o ouvir o outro.

Não é só a inteligência a atrapalhar a plena audiência, Outros elementos perturbam o ouvir. Um deles é o mecanismo de defesa. Há pessoas que se defendem de ouvir o que as outras estão dizendo, por verdadeiro pavor inconsciente de se perderem a si mesmas. Elas precisam “não ouvir” porque “não ouvindo” livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades diferentes das próprias, de verdades idem e assim por diante. Livram-se de novo, que é saúde, mas as apavora. Não ouvir é, pois, sólido mecanismo de defesa.

Ouvir é um desafio de abertura interior. De impulso na direção do próximo, comunhão. Ouvir é proeza e virtude. Deveria haver a palavra “ouvirtude”. Ouvir é raridade, ato de sabedoria.

Só depois que se aprende a ouvir começa a sabedoria. Descobre-se, então, o que os outros estão dizendo a propósito de falar..

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